sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A história de uma Maria.


- Senhor, me dê coragem. – Era o que Maria implorava do alto do abismo, ajoelhada com uma cruz na mão, e outra imaginária nas costas.

Tudo começou quando ela nasceu. Um grito de dor lancinante e a mãe sorri apesar da dor. Um choro estridente e o pai, quase contente por mais uma menina, fuma seu cigarro de palha. As irmãs na casa da tia esperavam a irmãzinha e a mais nova boneca.

Dentre tantas, mais uma Maria. A terceira das três. Marias por devoção materna e preguiça paterna. De pés no chão e comendo sobras ela crescia, de barriga quase vazia e cabeça repleta de sonhos: lugares que ela nunca viu, rostos que ela nunca conheceu, palavras que ela nunca ouviu, livros que ela nunca leu. Com a enxada nas mãos ela ia pra roça com o pai e contava para ele sobre os seus sonhos. O pai ria amargurado das histórias da filha, ela era tão sonhadora que não merecia aquela vida e ele apenas respondia:

- Você é o beija-flor do pai, um dia vai voar, se vai! – E Maria sorria.

Um dia, Padre Bento passou por aquelas bandas e emocionado ouviu o relato do pai de Maria. Ele contou que ela era uma boa filha, esforçada, inteligente e sonhadora merecia uma oportunidade na vida. O Padre logo pensou no colégio que sua diocese mantinha e propôs levar Maria e lá ela estudaria. O pai não agüentou de tanta felicidade, chorando abraçou o Padre, chorando foi pra casa contar a novidade e chorando despediu-se da filha que partia para a cidade grande e que ele nunca mais veria.

As freiras adoravam a alegria de Maria, logo ela se tornou a preferida. O Padre admirava suas perguntas e dele ela era a protegida. Tinha saudades da família e sonhava em voltar pra eles um dia, ou então trazê-los para a sua vida colorida.

Sua cabeça pesava. Sempre um novo aprendizado, sempre uma nova descoberta, sempre um mundo de possibilidades. Maria terminou o colegial e ingressou na faculdade, o curso escolhido era letras. Maria ria e estudava, não dormia e não cansava, o tempo corria e ela ainda sonhava.

Sonhava com o término da faculdade, que estava próxima. Com as turmas que assumiria na escola do bairro, com a visita que faria naquele final de ano à sua família e com todos os outros sonhos que ela nem sabia que tinha.

Até que uma carta chegou. Meio amarelada e datada de uns meses atrás. Surpresa, ela abriu e leu. Leu e amaldiçoou aquelas palavras, que entusiasmada ela aprendera a ler. Compreendeu aqueles acontecimentos e odiou a distância. Odiou ter deixado os pais, ter aprendido a ler e a compreender, sonhar e ver os sonhos virando realidade. A família, ou melhor, toda a sua família havia morrido em função das queimadas. Sua mãe, suas irmãs, seu pai e sua tia. Agora, não havia mais ninguém. Ela estava sozinha. Sem motivos para sonhar e sem ninguém para voltar.

Maria não mais ria nem estudava. Não dormia e não cansava. O tempo corria e ela não sonhava, se esvaia morrendo um pouco a cada dia. Ainda era a preferida das freiras mas não havia alegria. Ainda era a protegida do Padre mas não mais o agradecia. Só sabia chorar, sem derramar lágrimas. Sofrer sem blasfemar. Existir sem viver. Um poço profundo de saudades e perdas.

Até chegar ao alto do abismo. Fazer uma ligeira prece a Deus e pedir coragem.

- Senhor, me dê coragem.

Coragem pedida, coragem concedida, olhos na cruz e no nada. Lembrou-se das palavras do pai:

- Você é o beija-flor do pai, um dia vai voar, se vai!

E ela voou. Deu um salto e pulou naquela imensidão azul. Agora e para todo o sempre.

Por Etiene

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Literatura e Música


Neste ano se comemoram os aniversários de nascimento de duas figuras importantes da música popular brasileira: Adoniran Barbosa (6 / 8 / 1910) e Noel Rosa (11 / 12 / 1910). Como todos sabem, Adoniran Barbosa marcou sua presença na cena cultural brasileira graças ao cronista social que foi, em especial, da fala usada pela comunidade italiana de meados do século passado.

Noel Rosa, dizem os estudos, introduziu uma nova forma de composição musical, que encontra pontos de contato com a vanguarda literária já que, assim como os modernistas, aproximou a poesia e a linguagem coloquial. Em Não tem tradução, registra: Tudo aquilo que o malandro pronuncia / com voz macia / é brasileiro. / Já passou de português. Carioca de Vila Isabel, alfinetou aqueles que, por modismos, desprezam o linguajar brasileiro em benefício dos idiomas ‘importados’.

Em sua obra se encontra também a oposição entre o lirismo e o mundo do trabalho. É o que se lê em Três apitos: Quando o apito/ da fábrica de tecidos / vem ferir os meus ouvidos / eu me lembro de você.

É imprescindível conhecer a produção musical de Noel Rosa.

Fonte: Revista Língua. São Paulo:
Segmento, ano 5, nº 59.

Professora Vanda